segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Penitenciária Divina

Odeio quando chegam essas horas, é o momento em que eu normalmente desço até lá, ou subo, não sei ao certo pra que lado fica eu simplesmente tenho de ir e vou.
Sento na cadeira de balanço na varanda, a fazenda é quase que totalmente silenciosa exceto por um grilinho que insiste em cantar. A lua tão cheia e brilhante reina na imensidão negra da noite.
Ao meu lado encontra-se um cálice com sangue que eu desgostosamente retirei de um dos bodes da fazenda, mas apenas por ser necessário, em outro cálice ao lado deste contém chá de ortiga, para que eu me lembre do quão amargo é para onde vou. O sangue é a minha passagem, nele esta contida energia para que eu possa chegar até lá disposta, mas eu não o bebo isso seria nojento, eu o mantenho em mãos e é só.
Está quase na hora, uma golada no chá, cálice em mãos e o relógio de parede da sala para. Sinto tudo girar, meu corpo parece se romper em espiral, que sensação horrível, tudo dói.
Sinto meus pés tocarem terra firme, mas não é terra é pó de lava vulcânica resfriado, tudo cheira a mofo e o calor é intenso, eu costumo vir aqui todos os dias, mas é impossível se acostumar com esse clima.
Vocês devem imaginar que isso aqui é cheio de coisas, porém é vazio, não há nada aqui além de almas perdidas buscando uma saída. Não há tortura física, por que afinal não se tem um corpo, além do mais não existe tortura maior que o esquecimento; o abandono de todos; a rejeição. Sou o único ser que pisa nessa terra e minha única missão é fechar as portas que humanos mal instruídos ocasionalmente abrem.
As almas normalmente são irracionais, passam os milênios berrando e vagando pela imensidão do vazio, porém algumas delas dão sorte e acabam saindo por uma das portas que os humanos abriram, e não é muito legal quando elas saem, elas ficam stressadas e agressivas por não encontrarem o caminho até a paz e acabam causando rebuliço entre os viventes.
É por isso que estou aqui todos os dias, caminhando pelas terras fétidas e fechando cada porta. Se os humanos fossem menos imbecis e parassem de mexer com os outros mundos eu teria uma boa noite de sono.

Não sei o porquê de eu fazer isso, e nem como faço, me lembro de fazê-lo desde que eu me entendo por gente, vocês chamam o lugar para onde eu vou de trevas, inferno, gehenna,submundo, enfim. Eu chamo apenas de Penitenciaria Divina.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Sombras

Eu também costumava dizer a mim mesmo que era só coisa da minha cabeça quando eu via aqueles vultos no quarto antes de dormir, mas isso foi bem antes.
São apenas sombras que passam de relance, o que sombras podem te fazer de mal?
Isso era o que eu pensava, eu estava tão errado. Deus, como eu estava errado!
Uma bela noite deitado em minha cama eu observava-as passar por diante dos meus olhos, decidi que iria observa-las não havia mal nenhum nisso, elas nada faziam além de passar num vulto pelo quarto e sumir na parede escura, algumas eram apenas reflexos de morcegos e aves noturnas e eu costuma rir por sentir medo daquilo um dia, me sentia um idiota.
Passei a fazer isso todas as noites, era terapêutico observar e concluir o quanto a mente humana enganava. Mas numa dessas noites algo estranho aconteceu.
De tanto observar cada sombra que passava em finalmente consegui distinguir cada sombra. Pássaros, morcegos e outro tipo medonho de sombra indefinida e sem portador que deslizava pelas paredes. Ela de certa forma percebeu que eu pude distingui-la das outras e deslizou até a parede ao lado da minha cama.
Eu fiquei gélido, senti meu corpo paralisar, lutei um tempo acordado e imóvel, mas o sono me alcançou e eu adormeci.
Todas as noites seguintes foi a mesma coisa, ela chega, desliza pelas paredes e descansa ao meu lado. Porém essa não é a parte ruim das coisas, após um tempo de tormento ela não só fica ali parada ao teu lado ela começa a sussurrar sons estranhos, perturba o seu sono a noite toda, você mal dorme.
Após um tempo convivendo com isso você começa a entender os sussurros dela, ela te pede para fazer coisas ruins e te conta histórias ruins, ás vezes elas até mesmo interpretam as histórias em formas de sombras na parede.
Ela sempre me pede para que eu converse com ela, diz que se eu responde-la poderemos ser muito mais amigos.
Eu nunca ousei responde-la, sinto que pode acontecer algo ruim se eu falar diretamente á ela.
Noite passada ela disse que vou ser uma oferenda ao seu senhor em breve, que sua única tarefa era me fazer falar com ela e que ela nunca desistiria.
Me sinto cedendo, já estou ficando louco. Se algum dia alguém encontrar esse documento e eu não estiver mais aqui, siga o meu conselho: Sempre finja que você não as vê, ainda que as veja, durma e acima de tudo, nunca, absolutamente nunca fale com elas.
George Simpson

15 de setembro de 1996

domingo, 4 de agosto de 2013

Criatura Invisível

Presa nessa droga que eles chamam de clinica de recuperação, sem poder tê-lo, seu rosto era tão maravilhosamente lindo e seus olhos azuis tinha um brilho incomparável.
Eu não sou daquele tipo que senta no cantinho da sala e fica se balançando, muito menos do tipo que baba e diz ter vindo do espaço. Mas eles dizem que preciso ficar aqui, por que sou um perigo à sociedade, mas no momento a sociedade esta em perigo sem mim para alerta-los.
Naquela noite a lua estava tão linda, a lua se mantinha bem no centro do céu e as estrelas cintilavam intensamente. Eu e Pablo combinamos de assistir um filme na minha casa. Até ai tudo perfeito, tínhamos um ao outro, pipoca sobrando e refrigerante gelado.
A situação só foi mudar lá pela metade do filme, eu levantei para ir ao banheiro e quando voltei Pablo estava pálido, ele disse ter ouvido passos no quarto que ficava do lado oposto de onde eu tinha ido.
Pensamos ser um assaltante e empalidecemos igualmente, eu liguei para a emergência e eles disseram que estavam a caminho. Pablo pegou o taco de basebol do meu pai que estava atrás da porta e fomos andando com passos leves até o quarto.
Ascendemos a luz do quarto já esperando dar de cara com algum rosto maldoso. Lembro-me o quão estranho aquilo tudo foi quando vimos o quarto vazio e ainda assim o som dos passos estava presente, parecia estar a um suspiro de nós, porém não víamos absolutamente nada.
Um segundo depois e os passos cessaram, alguns segundos de silêncio cortante até que pudemos ouvir um sussurro gélido, “Em cada canto do vasto mundo haverá uma perda, da perda virá o sofrimento e é do sofrimento que renascemos”.
Olhamos-nos confusos e extremamente assustados quando demos o primeiro passo para correr algo rasgou o peito de Pablo e arrancou seu coração, eu pude vê-lo flutuar e ainda pulsou por alguns segundos, o coração carregado por algum ser invisível sumiu por janela a fora e eu fiquei sozinha debruçada sobre o corpo sem vida do meu namorado implorando a Deus para que tudo fosse apenas um sonho ruim, mas não era.
A policia chegou minutos depois de tudo, contei a eles minha história, mas eles claro, não acreditaram em mim. Jogaram-me dentro desse inferno e ainda me culparam pela morte do Pablo.
O que mais me faz sofrer todas as noites é o fato de que em cada canto desse vasto mundo haverá uma perda, da perda virá o sofrimento e do sofrimento esses seres do inferno renascerão.

Sinto sua falta meu amor, assim que eu conseguir me libertar desse inferno vou atrás desse maldito e vingarei você, Pablo. Eu prometo.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Os Swans

                                                      
Mais um dia chato de terça a noite, voltando do trabalho o relógio marcava cerca de dez da noite, fazer hora extra era um saco, mas fazer hora extra no auge do inverno era um saco duplo.
Eu ficava olhando para os pequeninos flocos de neve caindo no meu coturno e pensava comigo,“ Preciso comprar um carro.” Não era assim tão simples devido a minha pouca renda mensal e uma ex mulher sugadora. Mas afinal andar cinco ou seis quilômetros não fazia mal a ninguém.
No meio do meu trajeto melancólico de trabalho-casa vi uma garotinha encolhida frente a um portão grande, atual casa dos Swan. Ela mantinha a cabeça abaixada entre as pernas e repetia um chorar baixinho e um soluço cortante, aparentava ter uns dez anos no Maximo onze, seus cachinhos dourados estavam cobertos por neve fria ela vestia apenas um vestidinho branco de seda e tremia de frio.
Fiquei comovido pela cena, não podia deixa-la ali sem amparo algum. Aproximei-me e toquei seu ombro. Ela levantou a cabeça tão rapidamente que eu me assustei, tinha algo errado com os seus olhos, onde um dia parecia ter havido um azul vivido era quase branco como a esclera, já onde havia o branco estava colorido por um vermelho irritado.
Eu sempre acreditei em histórias de monstros e fantasmas e confesso que tremi quando ela me olhou daquele jeito. Porém eu não deveria me ligar a bobagens e abandona-la ali, então perguntei:
—O que você esta fazendo aqui a fora assim? Aconteceu alguma coisa.
Ela secou as lagrimas dos olhinhos estranhos, pegou a minha mão e disse que iria me mostrar.
Adentramos os portões da casa dos Swan e eu percebi o quanto silencioso de mais a propriedade parecia.
Quando abrimos as portas da sala principal eu fiquei horrorizado, os membros de toda a família estavam mortos, o cômodo coberto por sangue gélido e apenas um deles tinha uma arma em mãos com um buraco de saída no crânio que espirrara sangue por toda a parede bem pintada.
Trêmulo e com receio de perguntar eu me dirigi a garotinha:
—O- o que aconteceu aqui?        
A pequena menina debulhada em lágrimas novamente e em soluços começou falar:
O senhor Arnold Swan Irmão do dono da propriedade chegou na reunião de família e bêbado e raivoso, primeiro ele começou gritar e a derrubar as coisas, eu ouvia tudo quietinha lá embaixo, de repente ouvi um tiro BANG! E todos começaram a gritar depois ouvi os berros das meninas e mais BANGs da arma, foi quando o ultimo BANG disparou e tudo ficou num silêncio absoluto. Ele não sabia que eu estava aqui eu sou uma criança rejeitada por ter sido fruto do pecado do senhor Swan e sua filha Elisa. Só hoje me libertei de lá e hoje todos estão mortos.

Eu a peguei no colo e a abracei forte, concordava que fantasmas e monstros eram maus, mas humanos, humanos são loucos.